terça-feira, 5 de outubro de 2010

Obesidade Mental


Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.
A nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada.
(…)
Os telejornais e telenovelas são os hambúrgueres do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.
Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas.
Com uma “alimentação intelectual” tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.
(…)
O conhecimento aumentou, mas é feito de banalidades.
Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy.
Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas poucos suspeitam para quê é que ela serve.
Todos acham que Saddam é mau e Mandela é bom, mas a maioria nem desconfia porquê.
Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.
(…)
Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma “idade das trevas” ou o fim da civilização, como tantos apregoam.
É só uma questão de obesidade.
O Homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos.
O mundo não precisa de reformas, desenvolvimentos, progressos.

Precisa sobretudo de DIETA MENTAL.


Andrew Oitke – Professor de Antropologia em Harvard
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Por isso, hoje, dia 5 de Outubro, feriado que marca a revolução que levou à implantação da República… a ver se não pode marcar uma outra revolução. A de cada um em prol do bem próprio dirigido ao bem comum.
Como o Filipe sabe, eu já ando em dieta física. ;) E apercebo-me que já tinha iniciado uma certa alteração à minha dieta mental há uns anos.

Não vejo filmes de terror, não vejo pornografia. Não porque acho o primeiro assustador e o último imoral, mas porque me apercebi que me insere imagens no cérebro que bem nenhum me traz. Pelo contrário.

Leio artigos de revistas “femininas” (as cor-de-rosa) e "masculinas" (com motas ou mulheres na capa) não para me elucidar, mas para perceber com o quê que pretendem entupir a mente das/dos leitores. Nunca as compro, faço questão de evitar investir no que não concordo.

Comecei a evitar as comédias românticas não porque sejam uma chachada (afinal quem é que esporadicamente não se deleita com o imaginário do príncipe/princesa perfeito/a), mas porque nos querem criar modelos amorosos cheios de clichés.

Não me informo relativamente às novas funcionalidades dos computadores, telemóveis, DVDs ou qualquer artefacto tecnológico, porque em vez de me fazer sentir conhecedora e “na vanguarda”, me faz sentir insatisfeita, obsoleta e desejosa de consumir, comprar, actualizar.

E ainda assim há muito lixo cá na casa. Cada vez mais dificil limpar, na igual ou exponencial proporção em que mais informação nos chega, mais e mais. Apelativa e irresistível. Intoxicante.

Tento me informar para me saber informar.

Acho que tento fazer dieta. E semelhantemente à comida, o que eu sinto que me faz mal, a outros pode passar impune.

Alguém mais anda a tentar fazer dieta?

4 comentários:

marigold disse...

O tema não é novo, mas ninguém está muito interessado dele. Até porque o mundo avança precisamente no sentido contrário: do consumismo, globalização, despersonalização, massas... Com tanto mercado competitivo e tanto stock excedente, as pessoas têm que consumir, seja comida, seja estupidificação, mas é necessário consumir para que o mundo que conhecemos continue a existir. A questão é: Para onde se encaminha o mundo que estamos a construir? Para onde caminhamos nós? O que queremos nós? Será que as pessoas sabem o que querem, além dos vulgos casa, carro, satifação de impulsos, satisfação de desejos, independência, dinheiro?
Ocorre-me sempre pensar: como seria o mundo se toda a gente conseguisse parar e pensar? Se encontrassemos todos nas nossas vidas uma forma de pensarmos, de crescermos, de chegarmos ao fundo de nós de nos conhecermos, de investirmos em nós e em quem nos rodeia, de investirmos na construção de coisas efectivamente sólidas e duradouras, de nos darmos a possibilidade de mudança dentro de uma certa coerência, de não procurarmos sempre a forma de nos evidenciarmos e criarmos vantagens sobre os outros?
Ainda tenho esperança. Pelo menos ainda tenho esperança no mundo que me acompanha e nos mundos das pessoas que acompanho. O Faulkner quando recebeu o nobel disse algo que nunca mais esqueci - I decline to accept the end of man. A esperança é um dom.
Quanto à dieta, fomos nós, homens e mulheres, que inventámos os excessos e conseguimos com alguma astúcia viver no meio dos excessos até "rebentar".
Eu não vejo televisão (excepção: Simpsons, National Geographic, Odysseia), não leio livros nem vou ao cinema para me distrair. Para mim a arte é uma coisa séria e devia, tal como a ciência, elasticizar o nosso cérebro e precisamente contribuir para a manutenção da nossa dieta mental. Muita gente confunde isto com snobismo, ao que eu, sinceramente, não confundo. A arte não é entretenimento, porque para isso mais vale ir ao circo. Na música também gosto mais de músicos do que de artistas, logo não são muito fã das embalagens e tecnologias de estúdio que transformam paredes brancas em altares em ouro. Para mim o que conta é a autenticidade, palavra tão desconhecida nos dias de hoje. Tanta gente a querer ser outros alguém, a imitar outros alguém, tantas pessoas sem fio condutor, sem pensamento próprio, tantas pessoas preocupadas com o património de outras pessoas, que se desconhecem, se estranham, que complicam, que têm dificuldade em ser, em estar, em ouvir, em sentir, em pensar.

marigold disse...

Gosto de pessoas lavadas por dentro ;)

Arine disse...

"arte é uma coisa séria e devia, tal como a ciência, elasticizar o nosso cérebro e precisamente contribuir para a manutenção da nossa dieta mental".
Muito bem dito...gostei muito!

"A arte não é entretenimento, porque para isso mais vale ir ao circo."
O entretenimento nao pode ser arte? E porque não pode ser a arte um entretenimento? O saber estar "entretido" é das coisas mais importantes na vida. Eu diria que a arte é um bom entretenimento. E diria também que as pessoas se deveriam entreter mais com a ciência por exemplo.

"Muita gente confunde isto com snobismo"
Ser snob. Mas o que é isso? Eu ainda não sei bem, mas é algo que ando a explorar.

Obrigada pelo teu comentário! :)

marigold disse...

Bem.. o que eu quero dizer com "a arte não é entretenimento" é talvez porque massificou-se a ideia que o entretenimento é aquilo que faz as pessoas se entreterem e passarem o tempo sem exigir para isso grande esforço mental... Na verdade a definição da palavra leva-nos para a ideia de que o Entretenimento é um conjunto de actividades que têm como fim o prazer, o desvio da preocupação, uma distração. Isto leva-me a questionar - de que é que as pessoas se querem distrair, abstrair? Não será que o comportamento standard que se vê por ai não será precisamente o de andarmos muitos de nós quase sempre distraídos? Nesse sentido para quê desviarmo-nos ainda mais? Preocuparmo-nos não deveria ser algo positivo? Portanto, a Arte deve dar prazer, a Ciência deve dar prazer, o conhecimento, as pessoas, as actividades devem dar prazer, mas obviamente que dão prazer em si. Somos nós que atribuimos essa "coloração". E ainda bem. Concluindo, para mim a arte é suposto promover a segregação de sinapses e não apenas libertar dopamina. Se uma pessoa vai ao cinema para se esvaziar e comer pipocas, qual é objectivo da arte? Claro que posso considerar que uma actividade pode ter várias fins e vários ojectivos. Provavelmente a arte também pode ser uma actividade de distração, de esvaziamento, contudo, na minha perspectiva, não é este o tipo de arte que valorizo. Consigo perceber mais isso no desporto. Contudo, são perspectivas.

Quanto ao Snobismo, é geralmente uma característica que pressupõe uma superioridade em termos de beleza, intelecto, ou qualquer outra vertente da vida/pessoa. Muitas pessoas quando se sentem postas em causa tendem a apelidar os outros de "snobs" para diminuir a inferioridade psicológica que sentem (mesmo que não tenha existido nenhuma intenção de inferiorização por parte do outro interlocutor)