terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Snobismo e a violência simbólica


Pierre Bourdieu, Sociólogo Francês, dedicou-se a estudar como as diferenças materiais entre os indivíduos (a quantidade de dinheiro e recurso que dispõem) se revestem de indicadores culturais de diferença social, que se tornam em questões de snobismo e preconceito.
O que quer isto dizer?
Que todos nós usamos questões de julgamento como marcas de distinção e classe social.
E o que usamos nós?
A seguinte lista identifica o quê que mais frequentemente se baseia o nosso julgamento do outro para o colocar num nível social:
- Pronúncia e o sotaque;
- Vestuário;
- Linguagem;
- Escolha de matérias de leitura;
- Programas televisivos que vêem;
- Comida que comem;
- Desportos que praticam;
- Música preferida e;
- Apreciação (ou ausência de apreciação) de arte.
Estes sistemas sociais de julgamento definem o que é refinado e culto, por oposição àquilo que é inculto ou popular.
O curioso é que apesar de estes sistemas estarem sempre presentes, mudam constantemente de conteúdo.
E mudam porquê?
Porque quando algo começa a ser apreciado por muitos, a elite sente a necessidade de se diferenciar criando novos padrões de cultura e erudição.
Bourdieu chama violência simbólica aos actos pelos quais a elite mantém a sua distinção. A isto também se pode chamar simplesmente discriminação ou snobismo.
Embora actualmente o preconceito racial (ou étnico) seja largamente condenado, já o preconceito de classes raramente é mencionado, apesar da forte semelhança entre ambos.

Um exemplo:
Bourdieu concluiu que diferentes grupos de classes sociais preferiam diferentes tipos de música.
Coloquemos a peça Danúbio Azul de Strauss ao lado do Cravo Bem Temperado de Bach.
Consegue-se adivinhar onde caíram as preferências da classe alta (elite) por oposição à classe baixa (povo) para estas duas peças?
Será uma ajuda saber-se adicionalmente que as classes altas demonstraram preferência pela arte abstracta e romances experimentais, ao passo que as classes mais baixas tinham preferência por imagens descritivas e um bom enredo?
Nesta linha de raciocínio, talvez seja fácil deduzir que a sonoramente cativante valsa do Danúbio Azul fosse preferida pelas classes baixas face à mais “complexa” melodia do Cravo Bem Temperado que era preferida pelas classes altas.

E como se transforma um clássico de Strauss numa vertente popularmente apreciada? O seguinte vídeo isolado não justifica, mas ajuda:


O poder massificador das telenovelas. Ciranda de Pedra, estreou-se no Brasil em 2008 com o tema no seu genérico Danúbio Azul. Este é também um tema clássico dos casamentos.

Mas o interessante é que se toda a gente começar a gostar de Bach e de James Joyce (autor de Ulisses), então o gosto das classes mais altas mudam e passam a apreciar algo novo: desta forma, o elitismo é mantido alterando as fronteiras de delimitação.

Bourdieu descreve este fenómeno como “Economia de bens culturais”.

Pode-se dizer que à semelhança do desejo de maior poder económico, existe também o fomento da desigualdade pela aquisição de um maior (ou melhor) “património” cultural. Estas são formas de exclusão social tão danosas quanto as causadas pela desigualdade ou discriminação.
Uma pessoa com uma considerável “Economia de bens culturais” tenderá a segregar-se dos que não exibem o mesmo nível “de riqueza”, privilegiando outros indivíduos ou grupos que apresentem uma abundância semelhante. Se porventura a massa popular começa a apreciar ou a adquirir “bens culturais” idênticos a esta elite social, um novo conjunto de bens será percepcionado como mais erudito e mudam-se as fronteiras do que é considerado culto.

Saltando para outra área, isto agora recorda-me as tensões históricas entre Psiquiatras e Psicólogos e como os primeiros, enquanto elite que são, foram também alterando as fronteiras da sua delimitação para estarem sempre “acima” dos Psicólogos.
Quando os psiquiatras faziam psicoterapia apenas, os Psicólogos não podiam fazer.
Quando chegaram os psicofármacos, os Psiquiatras deixaram os Psicólogos fazer Psicoterapia, mas não autorizaram prescrever medicação (nem os cursos de Psicologia por norma abrangem essa área).
Futuramente, entrarão as terapias magnéticas que apenas os Psiquiatras poderão utilizar e os psicofármacos começam já ser prescritos por Psicólogos em alguns países…

Somos todos uns Snobes.

Agora que sabemos que somos… consegue-se produzir alguma mudança?

Eu consigo identificar quando alguém é snob, mas acho difícil de identificar quando eu sou snob.

Devíamos começar por tomar consciência…

Tira primeiro a trave do teu olho, e então verás como hás-de tirar o argueiro do olho de teu irmão. (Mateus, VII:3-5).

3 comentários:

filipe disse...

"Distinção" de Pierre Bourdieu

Andas a ler os livros certos. :) Muito bem.

marigold disse...

Pierre Bourdieu é genial. Toda a gente gosta de se evidenciar face aos outros, ou melhor existe a tendência da vaidade que a superioridade nos pode dar. Ora antes era mais fácil essa distinção de classes porque ou eras pobre ou eras rico e isso geralmente já estava quase predestinado dependendo da família onde nascesses. Hoje em dia o curioso é ver que tendo em conta o mundo globalizado e massificado nós todos queremos ser únicos e individuais e isso nunca passa só por aquilo que somos (infelizmente) mas também por aquilo que damos a parecer que somos (roupa, pronúncia, vocabulário, preferências, actividades etc). No fundo os livros do Bourdieu inserem-se no que eu chamo "Livros de Forma e de conteúdo". Apresentam uma forma de vermos o mundo com conteúdo lá dentro. Gosto bastante dele. Um dos seus disciplos Loïc Wacquant também diz umas coisas interessantes para quem gostar desta linguagem. Anyway, não gosto muito do Danúbio Azul, mas é só porque é o que todos gostariam. LOL

Arine disse...

São uns snobistas....

E o Danúbio é bonito.

Vou distribuir exemplares de Dostoievski nos cabeleiros, dentistas e cafés, até o "Idiota" significar algo mais que um insulto.

E já li descrições eróticas num livro de Harlequim e Sabrina que podiam figurar num Milan Kundera!
Mas pronto, no que num é foleiro, no outro é obra de arte. :P